terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A bailarina

Para  Fernanda Felisberto

         Não via a hora da estréia do comercial. Seria no horário nobre, e o bairro inteiro, aliás, a cidade inteira se tornaria um buchicho só no dia seguinte. À tarde, fora buscar o cachê da sua participação e, junto com as outras dançarinas, assistiu ao filme já editado. Faltava apenas a inserção da logomarca do produto. As evoluções por demais ensaiadas no estúdio e na escola de balé que frequentavam ficaram perfeitas. Os passos finais, em slow motion, culminavam com o salto de todas em direção à câmara. uma das colegas, a de perfil mais próprio, mais nórdico, mostra, na palma da mão, o copinho do iogurte anunciado - o produto disputando a tela com os sorrisos sadios das moças por breve 5 segundos de imagem congelada.
         Às 19 horas, a janela da sala - e o próprio cômodo - estava apinhada de gente. Quem possuía TV em casa ouviu as reclamações de quem não possuía o aparelho: todos consideravam mais emocionante assistir ao comercial na casa da artista.
         Plim Plim. Os moleque largavam as bolas de gude na réstia de barro onde brincavam e se enfiaram por entre as pernas dos adultos. A irmã da bailarina, na varanda, interrompeu o beijo e adentrou a sala arrastando o namorado pela mão. Os comerciais que se sucediam, mesmo os mais tolos, nunca tiveram uma plateia tão atenta e silenciosa.
         Começou. As moças dançavam como as cabeças dos expectadores. "Cadê ela?!" "Ali ó. Aquela de roupa azul." "Mas são várias! Bem que a TV poderia ser maior, né?", observou um vizinho. "No final fico mais visível", disse a dançarina aflita. "Psssiu!", repreendeu a mãe.
         Para todos os 30 segundos foram eternos. Quando o balé iniciou os movimentos finais, a bailarina inclinou-se instintivamente para a TV. na tela, ao canto superior direito, uma tarja branca com o nome do produto apareceu e foi escorregando em diagonal. Foi entrando... entrando... e parou, escondendo ao fundo seu rosto negro tão bonito.

Conto presente no livro "Terra de Palavras", organizado por Fernanda Felisberto.
Terra de Palavras: contos. Rio de Janeiro: editora Pallas; Afirma. 2004, pg. 35-36.

2 comentários:

  1. obrigado, andre. há quem não goste do final rs mas sigo pensando q certos drama devem parecer, na arte, o que são e movem na vida real.

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