para Lumusi Munzanzu (Lucimara da Cruz) e
Cláudia A. Santos, meninas do Curuzu.
Cadiveu. Ou cadáveu, como diria o
Adún. Sem dúvida, é uma das coisas que
mais irritam os brancos em geral, e os racistas – brancos ou não – em
particular: nosso cabelo. Também pudera. Como a pele da maioria de nós, nosso
cabelo quer existir no exato sentido contrário do deles. Para cima! E o mais
absurdo, contudo: gostamos. Abusamos. Às vezes, até reinventamos novos modos de
estar bonitos através deles, os cabelos. Só pra chatear? Talvez... A cada vez
(com ou sem trocadilho) que a indústria cosmeticida
bombardeia a mídia, intoxicando tantos de nós, outros tantos exalam o orgulho
de ser como somos. A consciência avança. O sentimento permanece. Imagino os
brancos da publicidade, em noites insones, ou entorno de chops alegres,
buscando uma nova ideia que nos convença, a nós
pretos, de uma vez por todas: É ruim! E não
é cabelo. É ‘algo’. Há décadas, gerações de marqueteiros tentam cortar o
meu pela raiz. O nosso. São bons brasileiros, os publicitários... Não desistem
nunca. E nós? Também não.
Fomos mais do que testados no
Século XX. E por diversas vezes quando a opressão racista quis tocar com sua
mão assassina o âmago da nossa existência (o nosso amor próprio), nossos
cabelos gritaram. Se puseram de prontidão. Marchando eretos pelo Harlem,
balançando proféticos pelas ruas de Kingston, ou multiplicando no Carnaval de
Salvador as tranças de uma geometria ancestral. De todos os modos, eram gritos.
E ainda hoje os ecos daqueles gritos nos ajudam a ficar de pé. No round. Temos
ido às cordas, é verdade... mas a lona está muito, muito mais distante.
Há muitos tesouros guardados em nosso cabelo. E
não dentro dele, é bom que se diga, já que a publicidade no Brasil já o quis
até como “porta-treco”. O tesouro no nosso cabelo é ele mesmo, em si, as formas
que assume, o zelo com que o tratamos. A riqueza é aquele delicado e último tapa no Black, é o desenho Adinkra
resgatado no sonho de uma trançadeira em algum ponto da Diáspora, é a magia de
cortar o tempo e o ar com as mais belas e encantadoras tranças horrendas... Nosso cabelo ainda guarda -
fora de si! – sua maior preciosidade: pares de mãos profundamente sensíveis, devotas da beleza, e que se sucedem há gerações.
Outras gerações.
Talvez pese 'espiritualizar' a discussão, mas gosto de pensar que somos criaturas divinas. Então, podendo ver no próprio corpo a
imagem e semelhança do belo. Pelo cabelo. Uma beleza natural... (Êpa! Beleza natural...assim...
natural, entende? Tipo natural, natural... sem enrolation). Temos, sim, que ouriçar nossas vozes! Afinal, não tem sido nada livre o arbítrio do alisante... Os racistas nos querem contra Deus. Azar o deles. Não seremos.
Touche pas! A minha carapinha é livre! E cara. Muito cara...
Lande Onawale
Lande Onawale
Excelente texto, bonito e rico, tão quanto necessário.
ResponderExcluirQuem precisa de Cadiveu (nome horroroso por sinal!)? Só quem insiste em deixar preso e amansado um cabelo que está no mundo para gritar tantas coisas, principalmente sua beleza. Belo texto! :)
ResponderExcluirPois é, querida... infelizmente muito de nós ainda não viu a Beleza de Perto...Questão de tempo, luta e afeto. Bjs
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